Frente às tragédias de múltiplos impactos e significados que assolam o estado do Rio Grande do Sul, a Escola da Cidade, comovida e solidária, vem se debruçando e realizando reflexões em vários âmbitos.
Este texto trata de um olhar mais técnico, que pretende complementar e discutir possíveis caminhos para os gestores públicos, acadêmicos, urbanistas, população, e demais atores responsáveis, enfrentarem casos similares e recorrentes, mesmo que em diferentes proporções.
Atualmente, o que fica evidente é que, somadas às lacunas acumuladas no desenvolvimento urbano das cidades brasileiras, as dívidas e déficts passados e presentes, se junta a evidência de uma crise climática mundial e todos os processos associados de risco e destruição dos biomas, das cidades, mortes das pessoas e desarticulação de seus modos de vida. A tragédia que se abate sem precedentes sobre o Rio Grande do Sul revela a fúria e a reivindicação das águas por suas áreas ocupadas sucessiva e indevidamente com a urbanização descuidada do território e do meio ambiente. Sabemos que esse fenômeno será cada vez mais recorrente, tal como esteve presente recentemente em Petrópolis, Teresópolis, São Sebastião, Ilhabela, Angra dos Reis e Barra do Sahy.
Como uma escola de formação de Arquitetos e Urbanistas, a Escola da Cidade se vê convocada a esse enfrentamento, tanto em relação à educação sobre as mudanças no clima, como seus impactos e formas de mitigação e adaptação dos espaços urbanos, rurais e florestais, por meio de dinâmicas tanto em salas de aula, quanto em cooperação com órgãos públicos, com as comunidades atingidas e organizações não governamentais. Tudo isso exige uma capacidade de articulação multidisciplinar e integrada de várias disciplinas (arquitetos e urbanistas, engenheiros, geógrafos, geólogos, geotécnicos, antropólogos, psicólogos, assistentes sociais e outros), em diferentes arranjos, para a busca de soluções conjuntas – técnicas e operacionais.
Como exemplo, esta nota foca nas possibilidades de se viver com água, para contribuir com ações de planejamento, formulação e implementação de políticas públicas e assistência técnica junto às comunidades atingidas. Não esquecendo de considerar, nesses estudos e proposições, as dimensões e interfaces entre a matriz ambiental, as redes de infraestrutura e as formas de uso e ocupação do solo que refletem, inclusive, os significados simbólicos e culturais.
A necessidade de viver com a água de forma presente, se vale de algumas indagações e pontos de partida que passam por experimentar novos arranjos de vida, novas tipologias de moradia e trabalho, espaços livres públicos associados a soluções ambientais, tecnológicas e de monitoramento das estruturas a serem implantadas.
Para efeito ilustrativo, estudos feitos por pesquisadores ingleses e seus grupos de estudo , sugerem três formas de ação:
(i) o recuo ou realinhamento – um método de remoção das ocupações das áreas costeiras, o que permite que a água do mar, das marés e dos rios, possam reaver seus leitos e áreas anteriormente protegidas. A linha de defesa é então realocada para o continente. Uma vantagem disso é reduzir o risco de inundações em áreas muito vulneráveis para locais mais seguros no interior e ao longo da costa, moderando a energia das marés e das ondas. O principal resultado desta ação é a redução da custos de “vida inteira” para a população e os setores responsáveis pela defesa, com maior sustentabilidade a longo prazo. Essa estratégia pode ser estendida aos ambientes de planícies aluviais e várzeas de cidades continentais, visto que essas também estão sendo atingidas em maior intensidade nas últimas décadas.
(ii) a defesa – deve antecipar os riscos e enfrentar cenários de longo prazo, como os próximos 100 anos. Porém exigirá maiores investimentos e financiamentos nas defesas contra as destruições anunciadas e seu monitoramento contínuo. A manutenção é apenas uma parte das ações técnicas e tecnológicas, que consistem em melhorias, a medida que o nível do mar e dos rios continuam a subir. Exigem-se juntamente aos investimentos do poder público responsável e financiamentos de bancos multilaterais, que o setor privado seja convidado a partilhar das políticas e ações de defesa ambiental como contrapartida de seus empreendimentos relacionados, por exemplo, a portos, retroportos, ferrovias, empreendimentos imobiliários para moradia, extração de minérios etc.
(iii) ataque: também para os próximos 100 anos. Pressupõe uma maior compreensão pública sobre os riscos de viver e a necessidade de acomodar a água de forma sustentável, e em conjunto com as comunidades. Como também trabalhar e propostas de novos arranjos de vida e estruturas e infraestruturas associadas. Pressupõe maior desenvolvimento tecnológico e financeiro para, por exemplo, o desenvolvimento de novas práticas de construir sobre a água. Bem assim, parcerias – público-privadas -, que desenvolvam soluções seguras, atrativas e duráveis.
Frente a esse quadro, a Escola da Cidade já está engajada em discussões com sua comunidade acadêmica – docentes e discentes- para estruturação de pesquisas para aprofundamento dessas diretrizes iniciais, debates, e grupos de trabalho na
contribuição de ações emergenciais e de médio prazo junto ao estado RS e outras regiões afetadas. Pois há que se adiantar e contribuir, e haverá muito a fazer na reconstrução do estado do RS.
Marta Maria Lagreca de Sales
Carolina Heldt D’Almeida
José Guilherme Schutzer
professores de urbanismo na ec
Facing up to Rising Sea-Levels:RETREAT ? DEFEND? ATTACK? , Futures Building ; 1 Institucion of civil engineers, Julho, 2010.